Lesões celulares e teciduais provocadas pelo novo coronavírus

Por Professora Drª Maria Danielma dos Santos Reis
25/05/2020 20h00 - Atualizado em 26/05/2020 às 11h51

Neste informativo discutiremos algumas alterações celulares e teciduais importantes já encontradas em pacientes com COVID 19.

Os primeiros achados vieram a partir de biópsia postmortem de um paciente de 50 anos, de Wuhan, na China (Xu et al., 2020). Na ocasião, foram coletados o pulmão, fígado e coração. As análises histológicas do pulmão mostraram presença de dano alveolar com exsudato fibropurulento, descamação de pneumócitos, presença de membrana hialina e edema (Figura 2), características de síndrome respiratória aguda grave. O vírus infecta o tecido pulmonar, levando a sua destruição e como consequência a deposição do material necrótico se apresenta ao microscópio com uma coloração hialina, sendo chamada de membrana hialina. Esta condição também pode estar presente em outros tipos de síndromes respiratórias, inclusive naquela provocada por um outro tipo de coronavírus, o SARS-CoV, que foi responsável por uma epidemia na Ásia em 2003 (Gue e Korteweg, 2007).

Foi também encontrado um infiltrado inflamatório mononuclear composto principalmente por linfócitos (Figura 2). Os linfócitos CD8+ citotóxicos podem ser as principais células no combate aos vírus, eliminando as células infectadas. Contudo, uma ativação exacerbada pode desencadear a morte também de células saudáveis, amplificando o dano tecidual. De fato, a análise por citometria de fluxo indicou que o paciente tinha uma grande proporção de linfócitos T CD8+ ativados na circulação, apesar do seu número absoluto estar reduzido. Além disso, foi também constatada uma maior presença de linfócitos T CD4+ Th17, que são pró-inflamatórios e podem ter participação no quadro da doença. A destruição tecidual observada pode também comprometer o revestimento das mucosas facilitando outras infeções secundárias.

Outro achado importante foram sincícios (células gigantes multinucleadas) encontrados no espaço alveolar, formados por pneumócitos com núcleos grandes, citoplasma granular e nucléolo proeminente (Figura 2, seta vermelha). Os sincícios são alterações citopáticas comuns em infecções virais, sendo também encontrados em pulmões de pacientes com a SARS (Gue e Korteweg, 2007).

fig1 art lesoes.png


Outras alterações relevantes:
Também foram encontradas lesões hepáticas, como esteatose microvesicular e um infiltrado inflamatório mononuclear (Figura 3). Contudo, essas alterações podem também estar relacionadas ao uso de fármacos, não somente com a infeção viral. Não foram encontradas alterações no tecido cardíaco neste estudo.

fig2 art lesoes.png
Figura 3 – Alterações histopatológicas no fígado de um paciente com COVID 19. Seta preta= infiltrado inflamatório; asteriscos= células com gordura (esteatose). Fonte: Xu e colaboradores (2020).


Mais recentemente, pesquisadores brasileiros da USP realizaram autópsia em 6 pacientes e confirmaram as alterações pulmonares encontradas pelos pesquisadores chineses. O grupo de patologistas da Faculdade de Medicina da USP realizaram uma técnica de autópsia minimamente invasiva utilizando recursos de imagem como tomografia computadorizada e ultrassom onde fizeram biópsia guiada, retirando diversos órgãos para análise. Na tomografia do tórax foi possível observar áreas esbranquiçadas no pulmão características de pneumonia (Figura 4). Ao microscópio, o tecido pulmonar encontrou-se danificado, como já explicado acima, e com a presença de microtrombos e focos de hemorragia nas paredes dos alvéolos. Eles também encontraram alterações no baço, com uma redução no número de linfócitos, danos nos rins, fígado, coração e sinais de infecção generalizada.

fig3 art lesoes.pngFigura 4 – Tomografia do tórax de um paciente com COVID 19. Notar as áreas esbranquiçadas no pulmão. Fonte: Departamento de Patologia/USP.

O estudo das alterações histopatológicas pode guiar os pesquisadores no estudo da patogenia do vírus, sendo relevante para o desenvolvimento de estratégias de tratamento e prevenção.

Referências e fontes:

Tian YRong LNian WHe Y. Gastrointestinal features in COVID-19 and the possibility of faecal transmission. Aliment Pharmacol Ther. 2020 Mar 29. doi: 10.1111/apt.15731. [Epub ahead of print]

Organização Mundial de Saúde (OMS). Report of the WHO-China Joint Mission on Coronavirus Disease 2019 (COVID-19) [acesso em 01 de abril de 2020]. Disponível aqui 

NIH Image Gallery [acesso em 01 de abril d 2020]. Disponível aqui 

Xu ZShi LWang Y et al. Pathological findings of COVID-19 associated with acute respiratory distress syndrome. Lancet Respir Med. 2020. pii: S2213-2600(20)30076-X. doi: 10.1016/S2213-2600(20)30076-X.

Gu J, Korteweg C. Pathology and pathogenesis of severe acute respiratory syndrome. Am J Pathol. 2007 Apr;170(4):1136-47.

Revista Pesquisa FAPESP. Os danos do coronavírus. [acesso em 01 de abril de 2020]. Disponível aqui

Sugestões para estudo:

Vídeo sobre coronavírus e os efeitos no organismo: Assista aqui